Autor: Rubens Junior | Facebook | Twitter
Várias gerações de quadrinistas, jornalistas, internautas, fãs e familiares reunidos. Essa receita sempre dá certo. Realizado pela segunda vez no Espaço Cultural do Instituto Cervantes em São Paulo, no dia 4 de fevereiro de 2012, o tradicional Prêmio Ângelo Agostini chega em sua 28º edição para homenagear os melhores quadrinistas nacionais de 2011, eleitos por votação pública. O evento é realizado pela AQC (Associação dos Quadrinistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo), o que torna tudo mais intimista e descontraído, já que os associados são amigos e parceiros de longa data.
A confraternização começou logo no salão de entrada em frente ao auditório onde foi realizada a cerimônia. Lá estavam o estande da Comix Book Shop, do coletivo 4º Mundo e da galera que produz a hq Miséria. Mesmo para aqueles que chegaram atrasados, era impossível passar por alí sem esbarrar nos colegas de profissão, sem tirar algumas fotos, sem ao menos bater um papo. Isso fez com que o salão de entrada ficasse tão ativo quanto o próprio auditório durante todo o evento.
DOCUMENTÁRIO RODOLFO ZALLA
Márcio Baraldi, com sua característica personalidade nada comedida, abriu o evento apresentando seu DVD sobre o mestre argentino, radicado no Brasil, Rodolfo Zalla. Um trabalho excelente homenageando este ícone do mundo dos quadrinhos, contando a história pessoal do artista e sua trajetória na carreira. A idéia inicial do documentário era apresentar grandes nomes dos quadrinhos nacionais desta antiga geração mas, infelizmente, muitos já faleceram, e Zalla acabou representando toda esta geração. Baraldi ressaltou o quanto os quadrinhos no Brasil são ignorados, já que este documentário deveria ter sido produzido por uma grande empresa ou instituição, como Rede Globo, TV Cultura, ou algo do gênero, e não por ele mesmo. "O Zalla é um artista que não é valorizado aqui dentro. Se ele tivesse nascido nos Estados Unidos ele seriam considerado um Jack Kirby." De qualquer forma, ele mesmo produziu, passou 15 minutos do video no evento, e ficou muito interessante. Tanto que, quando o video foi desligado após os 15 min, todos no evento vaiaram, pois queriam continuar assistindo. Eu comprei e recomendo.
Rodolfo Zalla, Rubens Junior e Márcio Baraldi. |
DEBATE: COTAS EDITORIAIS PARA HQS NACIONAIS
Um dos grandes atrativos do evento foi o debate sobre a nova lei sobre cotas editoriais para hqs nacionais. Jota Silvestre foi o mediador da bancada, Jal e Márcio Baraldi foram os "a favores" da lei, e Spacca e Guilherme Kroll foram os "do contra". O proposta até reservava um espaço para intervenções do público (que também compunha nomes de respeito dos quadrinhos), mas o debate entre os quatro da bancada já estava bem aguerrido e o limite de tempo realmente impediu mais participações. Em certo momento, eu estava próximo ao André Diniz e Daniel Esteves, e foi engraçado vê-los com o braço erguido durante quase todo o debate, na intenção de serem vistos quando as perguntas abriam para o público. Mas nem eles nem muitos outros conseguiram um espaço para se pronunciar. Mesmo assim, o debate não ficou devendo em nada, pois os quatro participantes e o mediador foram muito bem preparados e apresentaram muita informação sobre a situação e o momento dos quadrinhos, de forma que os contra e os a favores da lei pudessem se posicionar muito melhor.
Em suma, os argumentos dos "a favores" da lei foram estes:
- Como a grande maioria esmagadora dos quadrinistas nacionais (além do Maurício de Sousa) não possui potencial financeiro para competir com a mega indústria da Marvel, DC ou dos mangás, esta lei garantiria o mínimo de espaço para os quadrinistas nacionais "menos favorecidos".
- Como existe um grande preconceito nacional em relação aos quadrinhos, o aumento das publicações nacionais (mesmo forçada) contribuiria para uma maior visibilidade das hqs nacionais, melhor valorização deste mercado na nação e, consequentemente, uma condição financeira mais favorável aos artistas do ramo.
Resumidamente, os argumento dos "do contra":
- Seria uma situação profissional horrível entre artista e editora, se a editora tiver que trabalhar com o artista por imposição, e não por escolha. Nenhuma obrigatoriedade é favorável em nenhuma situação comercial.
- Houve também um argumento "perigoso" de que, talvez, exista um maior mercado internacional vendendo no Brasil pela simples questão da qualidade. Pois (hipoteticamente) nenhuma editora recusaria publicar um bom trabalho, independente de sua nacionalidade. Ou seja, produza um bom trabalho que as editoras terão interesse em publicar. Este argumento, em particular, eu discordo, pois conheço alguns editores, trabalhei 5 anos em uma editora, e sei que não é apenas qualidade que vende um trabalho. Como a editora trabalha diretamente com os custos (principalmente da gráfica), ela tende a publicar trabalhos que sejam "venda certa". Então, é mais ou menos assim, como os editores nacionais disseram na Kingcon, "promova seu trabalho, fique bastante famoso, depois a gente publica seu trabalho."
Como ainda não havia me pronunciado sobre o assunto, vou aproveitar esta matéria para publicar aqui minha opinião muito particular (que percebi ser a opinião de outros artistas também):
Primeiro ponto: este assunto só está sendo discutido hoje devido a realidade financeira dos artistas. Tem muito cara bom no ramo, e muito bom mesmo, mestres dos quadrinhos, com imensa dificuldade para manter uma vida de baixo custo pela sua renda com quadrinhos. Logo, uma solução que implica em aumentar a renda dos quadrinistas, ao menos para um nível humanamente justo, é extremamente necessária. Não por uma vaidade social (como na medicina, arquitetura, no direito, na política, etc, onde os caras ganham muito bem e ainda reclamam), e sim, numa qualidade de vida mínima para os profissionais da área. A partir daí, as soluções são variadas.
Porém, acredito que quisquer idéias de solucionar este problema que tenhamos deveriam partir do princípio de que OS QUADRINISTAS NACIONAIS SÃO OS MELHORES DO MUNDO. Exagero? Nem um pouco. Assim como no design e na publicidade, nós temos sim os melhores profissionais do ramo, e chegamos ao momento em que esta verdade está sendo impressa. Nos últimos, anos muito quadrinho nacional tem sido produzido e a qualidade só aumenta. Dá para perceber que havia muito talento escondido, que não publicava quadrinhos simplesmente pelo fato de que é um mercado onde se rende pouco financeiramente. Para mim, este é um ponto de partida para qualquer solução.
Por isso, considero que a solução a partir das COTAS seja algo um tanto medíocre para o ramo. Pois as cotas pré-supoem que os favorecidos são coitados, incapazes de conseguir o que é oferecido se não fosse pelas cotas. Eu sou a favor da solução direta das cotas apenas quando existe a incapacidade e desigualdade competitiva realmente evidente, no caso da deficiência física, incapacidade mental ou orgânica de alguma forma, como paraplégicos, aleijados, etc. Nós, quadrinistas brasileiros, estamos a ANOS LUZ de distância desta condição. Pelo contrário! Esta massa de quadrinistas brasileiros é fisicamente perfeita, extremamente inteligente, com um potencial criativo surpreendente e ilimitado, além de ter a vantagem que mais admiro, uma arte invejavelmente variadíssima. A gente até se perde numa banca de quadrinhos nacionais pois dá vontade de comprar TUDO! Então, acho estranho quando alguns artistas brasileiros, que são os melhores do ramo, se referem a si mesmos como coitados, e aceitam serem tratados como coitados na mídia e, as vezes, até pessoalmente.
Contudo, não me movo contra nem a favor das cotas, pois não considero este meu papel. Acho sim muito interessante que os políticos e jornalistas se movam neste sentido, pois esta também é a função deles. Eles que avaliem os mercados, eles que informem o povo, eles que cuidem de valorizar o que é nacional, eles que corram atrás dos artistas com uma boa proposta para valoriza-los. Acho que a função do artista é produzir o melhor que puder e buscar os meios honrosos de vender seu produto ser valorizado. E hoje em dia existe uma infinidade de meios para isso! O lugar onde menos se vende é nas bancas. O lugar onde MAIS se vende é na internet. E internet é uma mágica acessível a todos! Tem artista que reclama que não é valorizado, mas eu mesmo já procurei o cara na net e nunca encontrei. É possível sim vender, ganhar dinheiro, pagar as contas sem ser favorecido pelas cotas de editoras. Pode até ser mais difícil, mas é muito mais honroso.
Então minha crítica não é nem contra a lei de cota existir, e sim, contra os artistas fazerem dela um motivo essencial para o sucesso, como solução para o problema. Ao invés dos artistas pararem de produzir para brigarem por esta e outras leis, considero muito mais vantajoso e proveitoso para os artistas e para o público se a categoria se unir e projetar outras soluções mais viáveis:
- Produzir mais trabalhos em conjunto, onde o público de um artista se adere ao público do outro;
- Participar de mais e mais eventos, onde há movimento, encontros, idéias, comércio e, principalmente, interatividade com o público;
- Promover campanhas de quadrinhos nacionais chegando a todas as regiões do Brasil, fechando parceria cultural com governos, prefeituras e senados, principalmente onde os quadrinhos não chegam. Apenas um evento em regiões menos favorecidas já mobiliza e afilia um público que posteriormente acompanha os artistas pela net;
- Inclusive, os próprios artistas poderiam se unir com seus colegas de profissão, nem que fossem em grupos menores, e agendarem profissionalmente uma reunião com as editoras, apresentarem uma boa proposta para ambos, conversarem sobre o assunto sem o respaldo de uma lei obrigatória, que já induz uma certa inimizade entre gente que deveria ser parceiro de profissão.
- Entre muitas outras idéias.
Ou seja, tentar resolver correndo assim mesmo com as próprias pernas, mas em grupo. Pois onde um sozinho corre, dois correm o dobro. Unindo forças, se chega muito mais longe. E, no final das contas, o público é quem garante o sucesso de vendas, e nosso público adora quadrinhos nacionais. Eles só não tem muito acesso. Acho que uma classe mais unida na produtividade, e não só em eventos, alcançaria muito mais sucesso a ponto de não precisar de leis, e sim o oposto: uma classe unida faria o público, os políticos e as leis tentarem se juntar aos quadrinistas pela certeza do sucesso.
Esta é minha opinião e, a considero tão boa, que futuramente a colocarei algumas destas minhas idéias em prática. De qualquer forma, segue abaixo o video com o debate completo, para que você tire suas próprias conclusões.
PREMIAÇÃO
Após o debate, ocorreu a premiação em questão. Devido a intimidade dos organizadores, tudo rolou de uma forma bem descontraída, com piadinhas e interrupções constantes, parecia até que estávamos na sala de estar de algum deles. Primeiro houveram apresentações sobre algumas obras produzidas pelos integrantes da AQC, alguns trabalhos apresentados e os respectivos agradecimementos. Na premiação, não houve um único apresentador, mas cada vencedor foi premiado por uma artista diferente, o que tornou cada premiação ainda mais especial.
MELHOR DESENHISTA
MAURÍLIO DNA
Fernando dos Santos entregou o prêmio ao artista, que falou um pouco sobre hq Ação Magazine (onde publica suas ilustrações) e agradeceu a todos que votaram.
MELHOR ROTEIRISTA
DANIEL ESTEVES
Will, grande parceiro de Daniel, entregou o prêmio ao artista que, já que não conseguiu se manifestar no debate, ressaltou em seu discurso que os quadrinistas deveriam se unir mais para favorecer a categoria, além de prestigiar seus familiares e agradecer a todos que votaram.
MELHOR CARTUNISTA
GUSTAVO DUARTE
Jal entregou o prêmio ao artista, mencionando as palavras do próprio Ziraldo de que Gustavo já é um dos grandes cartunistas nacionais. Gustavo, em poucas palavras, agradeceu a todos.
MELHOR HQ
LANCASTER
Márcio Baraldi entregou o prêmio ao artista, que explicou a importância da Ação Magazine ser uma proposta para as bancas, para atingir o público geral e algançar a massa nacional na leitura de hqs.
MELHOR HQ INDEPENDENTE
MURILO MARTINS
Bira Dantas entregou o prêmio ao artista, que agradeceu a todos que votram na hq Love Hurts.
MELHOR FANZINE
MISÉRIA
Edgar Guimarães entregou o prêmio para galera da revista Miséria, e eles fizeram jus ao nome. Vestidos como miseráveis, durante todo o evento venderam suas publicações no hall de dentrada do Cervantes e, durante o discurso, mencionaram o quanto precisariam vender para conseguirem voltar para Campinas. Deu certo, pois no final do evento eles haviam vendido quase tudo que trouxeram. Eu mesmo comprei a hq principal e curti bastante.
JAYME CORTEZ (CONTRIBUIÇÃO ÀS HQS NACIONAIS)
AFONSO ANDRADE
Bira Dantas entregou o prêmio ao Afonso, pelo seu grande trabalho no FIQ (Festival Internacional dos Quadrinhos), que agradeceu demais a consideração e a votação, numa grande expectativa nos próximos eventos do FIQ e nos quadrinhos nacionais.
MESTRE
BIRA DANTAS
Marcatti e Ventilo entregaram o prêmio ao artista, que se emocionou demais pois, no ano passado, havia entregado este mesmo prêmio aos seu mestre Ventilo (que chegou a ser seu chefe quando estava iniciando sua carreira), e agora recebia o prêmio dele. Também, num belo discurso, agradeceu sua mãe que sempre o incentivou nesta carreira.
Dona Lourdinha, mãe de Bira Dantas. |
MESTRE
FERNANDO GONSALES
Spacca entregou o prêmio ao artista, criador do ratinho Niquel Náusea. Eu não me lembro quem foi, mais alguém comentou no palco que, quando Niquel Náusea foi lançado, ele não acreditava que existissem tantos assuntos para tiras sobre um ratinho, e apostou que breve as tiras seriam abandonadas. Bom, após 7.500 tiras publicadas, ele teve que pagar a língua.
MESTRE
LOURENÇO MUTARELLI
Ausente no evento, Jota Silvestre recebeu no lugar do Mutarelli o prêmio de mestre. Marcatti fez questão de relembrar ótimos momentos com Mutarelli, fanzines antigos, entre outras histórias, numa bela homenagem.
Marcatti revelando antigas histórias com Mutarelli |
MESTRE
MOACIR TORRES
Worney entregou o prêmio ao artista, que também entrou na linha do breve discurso e basicamente agradeceu a todos.
PRÊMIO ESPECIAL: MESTRE DOS MESTRES
RODOLFO ZALLA
Franco de Rosa entregou o prêmio ao artista que, emocionado demais com a surpresa, relembro seus tempos na Argentina, sua vinda para o Brasil, a fundação do Estúdio D'arte, agradeceu Baraldi pelo documentário, entre outras histórias. Bira ainda presenteou Zalla com uma bela caricatura. Um belo encerramento para um belo evento.
Dona Edna Cortez, emocionada com a homenagem |
O final é sempre só confraternização. Muito papo, muita risada por mais um reencontro. Mais uma edição do Ângelo Agostini chega ao fim e mais uma vez grandes obras e pessoas foram honradas, homenageadas e premiadas. Parabéns a todos os integrantes da AQC que organizaram o evento com tanto carinho e habilidade. Que hajam muitos outros e que, no próximo, o Cervantes não comporte o público.
Vejam matéria sobre o evento no próprio site da AQC e uma matéria muito completa também no site Impulso HQ.
Foi mais um dia histórico, um dia importante pra todos nós, mais uma pagina contando as vitórias das batalhas difíceis de um artista, parabenizo a todos!!!! Me orgulho de nossos brasileiros, cheios de dom e muito bom humor!!! Beijo no coração de todos Jú.
ResponderExcluirA Jussarinha Lanzelotti é uma figurinha, muito simpatica.Deus abencoe a familia Lanzelotti!Bjos pra Jussara! Ass.Baraldao
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